Jornal para pet

“Temos jornal pra pet”, anuncia o destacado cartaz afixado na banca de revistas do centro de Porto Alegre. Tá certo que os pets proporcionam um mercado crescente, ainda mais nestes tempos de pandemia. O que me surpreende é a aposta na mídia impressa que parece viver os seus estertores. Parei para ver.

– Seu João, poderia me mostrar o Jornal para pets?

– É esse pacotinho aí, no chão – disse o dono da banca de revistas que frequento desde quando trabalhava ali perto, espichando o braço para indicar com a caneta a pilha de saquinhos de plástico contendo um quilo, menos de dez jornais novinhos que nunca foram lidos, ao preço de R$ 10,00. Jornais que evidentemente saíram direto da boca da rotativa para uma função menos nobre do que a de informar os humanos. Jornalões da capital, um título em cada fardinho.

Fiquei com cara de idiota ao entender o engano em que me metera. Não passei recibo para seu João e saí sem responder quando ele indagou se eu tinha cachorrinho ou gatinho.

Com curiosidade, fui em busca dos números recentes sobre a circulação dos jornais. Fiquei mais angustiado com os dados do Instituto Verificador de Comunicação – IVC que há pouco foram informados na internet. Os números são assustadores para a mídia que mais emprega profissionais. Como em todo o mundo, a venda dos jornais impressos brasileiros anda à míngua. A velocidade de queda da circulação até pisou um pouco no freio a partir de 2020. Nos cinco primeiros meses deste ano, registrou 12,2% de redução. Mas, se for considerado o período mais amplo desde 2016, a queda média foi de 27,1%, diz o IVC.

O influente O Globo, no qual atuei como repórter, despencou de 156,3 mil exemplares diários em 2016, para 72,6 mil exemplares em maio último. Nesse período, o Estadão, onde fui freelancer, caiu de 126,9 mil para 75 mil exemplares. O gaúcho Zero Hora que se perfila entre os cinco grandes jornais do País e que teve circulação de 122,3 mil exemplares em 2016, agora registrou a tiragem de 49,7 mil exemplares.

A retração também afeta o concorrente, o Correio do Povo, onde eu precisava estar no iniciozinho da tarde para, entre uma multidão de redatores, poder ocupar uma rara máquina de escrever vaga. Sobrava-me quase sempre a máquina do colega que habitualmente pouco antes das 17 horas tinha a sua presença anunciada em alerta dado diretamente para mim pelo Antônio Hohlfeldt. Sentado de frente para a porta da entrada da redação, Antônio bradava: “Te manda, guri, porque o Mario Quintana chegou.” O Correinho, que já foi Correião, reduziu a sua circulação de 84 mil exemplares em 2016, para informados 60 mil exemplares – somados impresso e digital – em 2021. O ABC Domingo, de Novo Hamburgo, no qual escrevi coluna, tirava 44,9 mil exemplares em 2016. Atualmente tira 30 mil, chegando a 58 mil com o digital.

A mídia digital avança auspiciosos 5,5%, informa também o IVC. Eu torço por uma reação mágica do jornal impresso. Ainda preciso, nas minhas manhãs, sentir o cheirinho da tinta no papel que folheio na mesa da padaria, competindo com os aromas do café e do pão quentinho. No entanto, se depender da estratégia de distribuição do “Jornal pra pet”, sei que o meu prazer matinal está ainda mais ameaçado.
(fontes: IVC, Observatório da Imprensa, Poder360)

Por Afonso Licks
Jornalista
Foto principal: arquivo pessoal de Afonso Licks

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