Produtos de consumo, alimentícios, de vestuário, de recreação ou de outra natureza, são não apenas criados e produzidos, precisam de visibilidade, exposição. Como seriam adquiridos se o vendedor não os mostrasse ? Entram aí publicidade e propaganda, desde formas primárias até campanhas sofisticadas.
Informação factual, enquanto tentativa de descrever a realidade, é missão do jornalismo. Claro que também se torna produto, e é inegável que ocorrem manipulações em determinados contextos, por viés ideológico e mesmo comercial. É comum a prática de “merchandise” em meio a conteúdos informativos, faz parte do processo de sustentação financeira da atividade. Às vezes ocorrem exageros, a ponto de deixar menos nítida a essência informativa.
Já propaganda e publicidade não têm compromisso com transmitir exatamente a verdade. Dentro de requisitos éticos e morais, ela é livre para todas as formas de criatividade no objetivo de gerar convencimento. Uma dessas formas é dar aparência jornalística.
É o que vemos nas campanhas eleitorais, cada candidato procurando ao máximo se mostrar “verdadeiro” para que eleitores se convençam disso. A palavra-chave é “mostrar”, estar visível, estar “na vitrine”, seja de forma real ou virtual, e hoje a internet é a grande vitrine, especialmente através de suas redes sociais (ou anti-sociais).
Na política, mais importante do que o conteúdo oferecido por um candidato ou candidata acaba sendo sua embalagem e a visibilidade que possa ter junto ao eleitorado. Já comentamos como o presidente norte-americano Donald Trump aparece nas mídias com muito mais frequência do que seu adversário Joe Biden. Este, para muitos, oferece conteúdo melhor, mas será que consegue convencer? Será que não deveria expor-se mais, estar mais “na vitrine”?
Aqui no Brasil, vivemos um verdadeiro conflito entre jornalismo enquanto busca pela verdade no interesse público e, de outro lado, propaganda política, justo num assunto que deveria ser absolutamente neutro: a descomunal tragédia causada pela pandemia. É um conflito entre fatos científicos de um lado, e tentativas de mascará-los para fins eleitorais de outro. Fatos não têm ideologia, mas ir contra eles é obviamente ideológico.
Agora, peço licença para apertar momentaneamente um botão “pause” nos assuntos de política, e acionar a memória, lembrando de como eram vitrines, aquelas reais e verdadeiras.
Na minha infância nos anos 60 em Montenegro havia bazares, que chamávamos de livrarias. Tinham vitrines, com enormes vidros exibindo e protegendo mercadorias. Acabavam sendo bem mais que isso, eram portas para nossa fértil imaginação infantil. A mais próxima de casa era a Gehlen, na esquina próxima ao prédio do Banco do Brasil na Ramiro Barcelos, e quando se aproximava a época de Natal, sua vitrine fascinava nossas jovens mentes.
Lá por casa, rolava um catálogo da fábrica de brinquedos Estrela repleto de imagens de bonecas e de armas de brinquedo. Hoje eu reprovo esse tipo de brinquedo, mas quando criança a imaginação era impregnada por gibis de bang-bang que rolavam entre meus irmãos.
No catálogo, me fascinava um revólver que, em vez de tiros, projetava imagens, como um mini cinema. Não entendia como aquilo pudesse funcionar na prática. Na mesma página tinha a imagem de um revólver extremamente real, com cabo, cano e gatilho. Acabei ganhando este num Natal, um acontecimento, pois era muito raro ganharmos presentes assim.
No entanto, ser caçula às vezes era vantagem. Lembro de antes ter ganho uma lanchinha “pop-pop”, com um pavio ou vela, e o fogo fazia a lanchinha se movimentar na água com um barulhinho lembrando motor. Acho que estragou na primeira vez em que foi usada, não mais a vi depois daquela outra noite de Natal.
Já o revólver durou mais tempo. Parecia tão real que certa vez alguém na rua me propôs uma troca por uma pistola daquelas do século 19, tipo garrucha com cabo curvo, coisa de colecionador ou de museu. Surpreso com a oferta, na dúvida não aceitei.
Outra livraria era a Lutz, também na Ramiro Barcelos, um pouco depois do cinema Tanópolis, do outro lado da rua. Ali perto, um pouco antes, certa vez abriu a “Kibon”, uma sorveteria com os produtos da marca, não me recordo que tivesse vitrine. Assim só tomei conhecimento quando minha irmã Beti me levou para provar um tal Chicabon. Em alguns palitos a madeirinha era carimbada a ferro quente com uma bandeirinha, que dava direito a prêmios, que eram “chapinhas da aviação”, imagens de aviões numa moldurinha plástica redonda.
Chegando na Lutz, gostava de parar na frente de sua vitrine e admirar aqueles violões Giannini que em vez de buraco redondo tinham “f-holes” como em violinos e violoncelos. Era algo enigmático.
Se a lembrança de vitrines reais chega a ser poética, as vitrines virtuais de hoje em dia chegam a ser patéticas, aparecem tanto que perdem qualquer encanto, acabam poluindo.
Voltando à política, esta não é brinquedo, embora seja “brincadeira” o que está acontecendo em relação à saúde pública brasileira com a pandemia: temos como ministro da Saúde um militar paraquedista que nem médico é e que num mesmo dia desta semana teve duas notícias a contrariá-lo: foi diagnosticado com Covid-19, e teve cancelada sua intenção de encomendar do laboratório Butantã 46 milhões de doses da vacina que até o momento tem demonstrado os melhores resultados clínicos.
Dando-se devido benefício à dúvida, certamente é prudente não comprometer apressadamente recursos públicos antes do final dos testes, mas isso deveria ser regra geral, sendo que o governo federal já tem acertos com outros laboratórios. Dois pesos e duas medidas ? Assim não convencem as justificativas dadas para o recuo, tornando evidente tratar-se de atitude político-eleitoral.
Ao declarar que “não vamos comprar a vacina chinesa”, o presidente Bolsonaro perde chance de auferir boa parcela de mérito caso a vacina Sinovac venha a demonstrar bons resultados de eficácia e segurança. Corre risco estratégico de deixar a “vitrine” política à feição de seu desafeto, o governador de São Paulo, João Dória.
Publicado no jornal O Progresso – Montenegro RS
Por: Augusto Licks
Jornalista e músico. Como jornalista, foi editor de rádio e TV em Porto Alegre, colunista de O Estado de São Paulo Online, e atualmente colabora com o jornal O Progresso de sua cidade natal, Montenegro/RS. Como músico foi o guitarrista da fase de sucesso dos Engenheiros do Hawaii, manteve uma importante parceria com o cantor e compositor Nei Lisboa, é autor de trilhas para cinema e teatro, além produtor musical. Apresentou-se em centenas de shows no Brasil, incluindo eventos como Rock In Rio e Hollywood Rock, e em países, como Rússia, Japão e Estados Unidos.
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