Comunicação – Augusto Licks

Falemos de comunicação, e de informação. São duas coisas diferentes inter-relacionadas que afetam quase tudo na sociedade. Ambas possuem definições em dicionários e enciclopédias, e estudos acadêmicos demonstram como elas podem afetar uma pessoa de formas diferentes.

Uma ferramenta útil para explicar coisas complexas é o uso de analogias. Assim, por exemplo, poderíamos comparar informações com objetos no espaço sideral. A existência de um planeta ou lua, etc por si só já constitui informação, de um tipo naturalmente disponível. Uma sonda espacial lançada por seres humanos também é informação, disponibilizada artificialmente.

Então, informação é um dado em si, ou um somatório de dados, a respeito de assuntos, e ela pode ou não chegar ao conhecimento de uma pessoa que não tenha participado de sua produção. Informar-se ou ser informado é a ação pela qual alguém toma conhecimento de uma informação.

Até aí não temos exatamente comunicação, pois o prefixo “co” já sugere uma ação de duas partes. A comunicação é a ação pela qual alguém informa a outrem e este responde, sinalizando ao menos ter sido informado, ou enviando informação própria ao “alguém”. Ou seja, comunicação pressupõe interatividade, proporcionando algum entendimento mútuo, como por exemplo numa conversa entre pessoas, ou num telefonema, ou na troca de cartas e recados curtos como telegramas, coisas que ganharam enorme velocidade com telefonia celular e internet. É óbvio que o avanço tecnológico proporcionou maior comunicação, facilitando imensamente a interatividade. O preço disso é quando a quantidade torna-se excessiva, minando a qualidade comunicativa, já que é impossível dedicar tempo, longos textos e ainda cuidados de polidez de tratamento a pessoas em demasia. Assim, numa outra analogia comparando comunicação com a luz, precisamos da luz para enxergar, mas luz em excesso ofusca, a ponto de não permitir que se enxergue. O ideal é buscar equilíbrio, e para isso é necessário seletividade.

No campo social e público, existem diferentes formas de comunicação, e na maioria dos casos ela se origina de alguma pessoa fornecer informação, seja por fala, texto ou sinais de algum tipo. A essa pessoa que informa dá-se o nome de “fonte”. Ela é uma fonte direta quando passa informação para outra determinada pessoa. É indireta quando suas informações são disponibilizadas em publicações (jornais, revistas, áudios, vídeos, páginas de internet), que podem ser acessadas por pessoas indeterminadas.

Parece tudo lógico e organizado, mas aí entram os conteúdos informativos e com eles surgem questões como semântica: vocábulos são frequentemente utilizados fora de seu preciso significado original. Diz-se por exemplo que alguém “fará uma comunicação”, significando que irá “comunicar” alguma coisa. Mais correto seria dizer-se que “dará uma informação”, ou “irá informar” alguma coisa.

Palavras adquirirem novos significados é um processo natural, pois línguas são dinâmicas como expressão de culturas em constante transformação. Novos hábitos e situações sociais impõem isso e também o surgimento de novos vocábulos. Isso é natural, mas não significa dizer que não seja problemático. Há situações em que palavras fora de precisão vocabular geram confusão a ponto de impedir que algum assunto seja entendido corretamente. Isso explica em parte situações de discórdia e dificuldade de entendimento em assuntos polêmicos, pois a inexatidão vocabular pode tornar ineficiente ou mesmo impossível a compreensão de qualquer argumento.

Palavras mal empregadas podem parecer detalhes, mas diz-se popularmente que “o diabo mora nos detalhes” (expressão muito usada por quem já fez obra ou reforma em casa). Na política, os detalhes começam a partir do momento em que se deixa o plano geral de sua compreensão e entra-se em seus desdobramentos. A organização e estrutura de um sistema de estado, bem como a administração pública de recursos, são temas de difícil compreensão para o chamado cidadão “comum”, por isso alguém terá que representá-lo: políticos, eleitos no princípio entendido por democracia representativa.

Já escrevemos que eleição é um jogo publicitário, pois se para muitos o conteúdo é difícil de entender, a forma é mais facilmente assimilada e por isso adquire grande importância. Na criação de respectivas “embalagens” eleitorais, partidos e candidatos fazem uso de diferentes estratégias de informação e comunicação visando a conseguir convencer eleitores. Comícios reunem multidões em locais públicos. Rádio e televisão adicionam alcance das propostas e promessas a eleitores distantes dos comícios. Profissionais de comunicação se esmeram em jingles, truques de imagem e tudo que a tecnologia audio-visual possibilita.

Com a chegada da internet comercial no Brasil em 1995, esse cenário, como quase tudo, começou a sofrer um gradativo e progressivo processo de transição: informações, de vários tipos, foram deixando de ser produtos mercadológicos. Pelo lado positivo, o aspecto globalizante aproximou as pessoas de informações que antes não lhes eram disponíveis localmente. Por outro lado, começou a impactar atividades empresariais, e um dos primeiros exemplos disso foi a disseminação de informações musicais: gravações produzidas e vendidas pela indústria fonográfica na forma de discos e fitas passaram a ser copiadas e disponibilizadas de maneira desenfreada e impossível de controlar, obrigando as empresas do ramo a se reinventar ou migrar para outras atividades.

Era inevitável que esse progresso democratizante viesse impactar também a atividade dos meios de comunicação social tradicionais, pois o avanço da informática em TI (tecnologia de informação) passou a popularizar a capacidade de gravar imagens e áudios, o que antes exigia caros recursos empresariais. A velocidade de um vídeo pessoal lançado por redes sociais, diretamente do local de um fato ocorrido, torna-se uma competição imbatível. As próprias emissoras de rádio e TV hoje valem-se do universo “online” como fonte adicional de conteúdo a ser veiculado. A favor da sobrevivência dessas empresas, pesa o componente de confiabilidade e credibilidade, que não caracteriza informações disseminadas pelas redes, pois são transmitidas sem compromisso formal com veracidade ou ética.

Desde o surgimento da internet era evidente a necessidade de algum tipo de regulamentação, que distinguisse informação confiável de boato, o difícil sempre foi concretizar isso sem ferir os princípios de liberdade de expressão. Ajudaria que tivéssemos, por exemplo, alguma convenção que rotulasse por cores o nível de confiabiliade de uma informação. Assim, digamos: uma bolinha verde para informação de fontes comprovadas, azul para fontes não reveladas mas fidedignas, amarelo para informação não confirmada, laranja para informação contraditória a outras equivalentes, e vermelho para indicar uma informação não-confiável, suspeita de ter sido forjada.

Tudo isso ajudaria num cenário em que houvesse algum chão seguro naquilo que se vê e lê por aplicativos. A realidade, porém, é bem mais avassaladora, e a velocidade com que uma informação confiável ou não se dissemina não deixa chance para que sua confiabilidade seja avaliada. Fazer o que?  Nessa hora lembro do filme “Caçadores da Arca Perdida”, o primeiro da franquia de Indiana Jones. Na cena em que os nazistas abriam maravilhados a poderosa arca, o herói dizia para a mocinha: “-Não olhe ! Mantenha os olhos fechados!”

Claro que para fechar os olhos à visão de poço sem fundo das telas de hoje, é necessário não só a capacidade de discernimento como também uma enorme força de vontade, se não algum tipo de terapia médica. Estudos em universidades norte-americanas há tempos já demonstraram a dependência que se cria nas pessoas, não apenas por usar celular, mas também por fazer alguma coisa, ou várias coisas. Pessoas habituadas ao uso de aplicativos e multi-tarefas sofrem de síndrome de abstinência, se obrigadas a ficar algo como quinze minutos sem poder ler, conversar, ou usar celular ou computador. Em uma experiência já antiga nos EUA, estudantes chegaram a espontaneamente experimentar choques elétricos como tentativa de aplacar a necessidade não satisfeita de fazer alguma atividade qualquer.

O outro lado da moeda da democratização tecnológica de informação entre as massas é a vulgarização. No campo político tivemos evidências disso já na eleição de 2014, e em 2018 a demonstração foi cabal. Além do poderio emergente da TI junto às massas, testemunhamos o poder de manipulação que a tecnologia acarreta. Não havendo controle, a manipulação se beneficia da dependência dos usuários em aplicativos, valendo-se de todas as formas de inexatidão nos diferentes códigos de informação que constituem formas de linguagem. Abordaremos o tema “linguagem” num próximo artigo.


O cinema, tradicional arte com poder de comunicação, sofre com a concorrência dos novos tempos. É preciso muita força de vontade para assistir algo desconhecido que dure 1 hora e meia, quando se tem a opção de rever algum cenário agradável de série, que nos ocupa menos de 1 hora. Em Montenegro, conhecí o Goio-En, e o Cine Tanópolis. Neste, seu Bebeto Köetz era o baleiro, que vendia balas de goma e “azedinhas”, cujo barulho dos saquinhos plásticos contrapontuava com músicas de fundo de Tijuana Brass, Bert Kampfert, etc enquanto se esperava o início do “Canal 100” e suas cenas em câmera lenta de partidas de futebol. Se o filme fosse de faroeste, a piazada batia nas cadeiras nas cenas de perseguição: “Aí, mocinho !” Era um ritual, entre tantos rituais que a condição humana desenvolve socialmente. Seria bom que algum ritual surgisse através do Netflix, do contrário as coisas apontam muito para individualização, e consequente isolamento social. A julgar pelo que se vê, o futuro talvez até reserve alguns rituais, virtuais…

Publicado no jornal O Progresso – Montenegro RS

Por: Augusto Licks
Jornalista e músico. Como jornalista, foi editor de rádio e TV em Porto Alegre, colunista de O Estado de São Paulo Online, e atualmente colabora com o jornal O Progresso de sua cidade natal, Montenegro/RS. Como músico foi o guitarrista da fase de sucesso dos Engenheiros do Hawaii, manteve uma importante parceria com o cantor e compositor Nei Lisboa, é autor de trilhas para cinema e teatro, além produtor musical. Apresentou-se em centenas de shows no Brasil, incluindo eventos como Rock In Rio e Hollywood Rock, e em países, como Rússia, Japão e Estados Unidos.

Foto: Divulgação

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