Conversando, a gente se entende”, ouvi isso a vida inteira. É o caminho natural quando pessoas querem resolver algum problema ou dificuldade entre si. Infelizmente alguns não querem conversa, e é simplesmente porque não querem entendimento, desejam apenas impor suas pretensas “verdades”. Lembro então do que escreveu André Gide : “Acredite naqueles que procuram a verdade, duvide daqueles que a encontram.” O que uns pregam como verdade, sem submeter a debate e aferição pelos recursos do conhecimento humano, é a própria negação daquilo que eticamente e por bom senso podemos aceitar como verdade.
Mesmo quando uma verdade é incontestável é possível que nem todos a reconheçam. Numa cena do filme “Inimigo do Estado”, de Tony Scott, um advogado mostra a um mafioso um vídeo em que o criminoso claramente comete ato ilícito. Reação do mafioso: “Quem, esse aí? Esse aí não sou eu!” Simples assim.
Um escritor britânico, David Irving, dedicou-se a negar que tivesse acontecido o “holocausto”, o genocídio de judeus praticado por Hitler na Segunda Guerra Mundial. Chegou a processar por “difamação” a historiadora norte-americana Deborah Lipstadt, que o contestava. Irving perdeu na justiça, o julgamento desmascarou sua tese, comprovando que ele tinha adulterado evidências históricas. O caso foi documentado em livro pela historiadora e depois adaptado para o cinema no filme “Negação”, de Mick Jackson.
Por terem medo da busca pela verdade, alguns se dedicam a tentar catequizar gente inocente, para que não saibam e apenas acreditem. É o que parece sustentar regimes políticos como o do Irã, claro que usando violência. Você, leitor, gostaria de que em nosso país só uma versão da realidade fosse permitida? Mesmo que seu filho ou filha dela discordasse e por isso tivesse sua integridade física ameaçada? Já pensou nisso?
Em ambientes de comentários interativos de publicações “online” é nítida a repetição de ladainhas pré-elaboradas, poluindo o que deveria ser oportunidade de opinião genuína de cidadãs e cidadãos. Mesmo se Isaac Newton ou Albert Einstein fossem vivos para demonstrar a necessidade de prevenção contra a pandemia, ainda assim haveria “haters” dizendo que é tudo invenção da mídia.
Infelizmente, a ciência ainda não descobriu uma vacina ou remédio contra a estupidez, e nunca descobrirá. É porque não se trata de doença e sim de ignorância, e esta não se resolve com medicina e sim com educação e cultura. Ignorância pode ser atribuída, em alguns casos, à falta de escolaridade ou alguma outra deficiência mas, fora disso, trata-se de uma combinação de preguiça com a banalidade do mal. Quando não é nem isso, aí então trata-se simplesmente de má fé, maldade.
Negacionismo talvez tenha virado profissão, há indícios de que existe gente praticando isso por “grana” mesmo. Azar dos inocentes que ainda se dão ao trabalho de manifestar alguma opinião sincera. É o uso profissional da técnica pela qual uma mentira repetida muitas vezes acaba depois sendo aceita como verdade. Me faz lembrar da frase atribuída ao escritor Mark Twain: “É fácil enganar pessoas. Difícil é depois convencê-las de que foram enganadas”.
É triste como os mais humildes são facilmente convencidos. Ouço aqui e ali falarem que “não estão vendo ou ouvindo nada”, em referência ao noticiário jornalístico. Parecem catequizados a dizer isso. Outro dia, ouvi um trabalhador na vizinhança, sem máscara, comentando em voz alta que “esse negócio de informação é coisa ruim, tem é que ter fé em Deus e só”. Não sei a religião dele, mas a minha não concorda com isso. Se fosse atender a instintos primitivos, talvez tivesse arremessado um objeto na cabeça do sujeito, alegando legítima defesa contra a agressão contida em seu comentário infeliz. Vai que crianças o ouvissem e resolvessem furar as regras de proteção? Por sorte tenho a razão a controlar os instintos, por mais lenta que seja a razão. E procuro seguir bons princípios.
Já lí comentários sugerindo que as pessoas racionais deveriam é tratar de se proteger e “deixar que esses idiotas formem a tal imunidade de rebanho”. Entendo a motivação, mas seria uma manifestação de desistência, tipo cuidar de si e dos seus e deixar que os incrédulos sejam devastados, como num cenário bíblico. Não me parece solução justa.
Lembro da fala cristã “Perdoai-os, Senhor, pois não sabem o que fazem”. Talvez também nós mortais possamos perdoar quem não sabe o que diz e que talvez nem saiba que ao menos de nossa parte está sendo protegido ou protegida. Que fique, porém, distante, pois proximidade pública na pandemia continua sendo potencial ameaça a vidas humanas, mesmo que nossas autoridades não consigam ou não queiram controlar isso. É simples assim, e quem nega isso está querendo enganar “trouxas”, não seja um.
Publicado no jornal O Progresso – Montenegro RS
Por: Augusto Licks
Jornalista e músico. Como jornalista, foi editor de rádio e TV em Porto Alegre, colunista de O Estado de São Paulo Online, e atualmente colabora com o jornal O Progresso de sua cidade natal, Montenegro/RS. Como músico foi o guitarrista da fase de sucesso dos Engenheiros do Hawaii, manteve uma importante parceria com o cantor e compositor Nei Lisboa, é autor de trilhas para cinema e teatro, além produtor musical. Apresentou-se em centenas de shows no Brasil, incluindo eventos como Rock In Rio e Hollywood Rock, e em países, como Rússia, Japão e Estados Unidos.
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