Incertezas — Augusto Licks

Temos visto imagens assustadoras pelo Brasil, com gente lotando praias e outros locais públicos. A maioria dessas pessoas sem máscara, num comportamento irresponsável, criminoso até. Ainda assim é uma realidade, e não adianta chorar por ela, melhor é tentar entendê-la.

O senso comum parece mesmo dominado pela sensação de “não se aguentar mais”. É o efeito psicológico em massa resultante do confinamento, da ansiedade por se voltar à vida como ela era antes. Alguns conseguem encontrar alternativas e compensações, especialmente pela internet, mas para muitos não há solução aceitável ou suportável, principalmente quando vivem em espaços reduzidos. Tudo se agrava ainda mais pela ausência de um plano unificado de combate à pandemia, resultado da briga político-eleitoral no país.

É compreensível o desconforto e a ânsia por “respirar ar livre”, mas isso não muda as coisas. Recentes estatísticas da pandemia indicam queda no aumento dos casos e de mortes no Brasil, o que é animador, mas não é garantia de nada. Até porque é difícil confiar na exatidão das estatísticas por tudo que já se falou, insuficiência de testagem, subnotificação, etc.

É verdade que hoje se sabe muito mais do que no primeiro trimestre do ano, quando médicos e enfermeiras se debatiam e arriscavam as próprias vidas tentando tratar doentes da Covid-19 improvisando o que havia de disponível para tratamento de outras doenças. Hoje se sabe que algumas drogas proporcionam boa resposta em pacientes, especialmente se administradas cedo, enquanto outras causam reação exagerada do sistema imunológico oferecendo risco à condição cardíaca. Hoje se sabe também que outras drogas ajudam a conter aquela reação, ao menos em casos críticos.

Hoje também é possível medir algum padrão do tempo que leva para uma pessoa ser infectada, e que permite calcular alguma projeção do contágio social. O efeito das aglomerações desses dias recentes deve aparecer em duas ou três semanas. Será que teremos alguma boa surpresa, a contrariar projeções que têm sido habituais ? Haverá “nova onda”, efeito “sanfona”, ou não ? Iremos saber. Afinal hoje também se sabe que muito ainda não sabemos, e que há muitas variáveis nessa doença que ainda não são totalmente compreendidas.

Há indicadores intrigantes relacionados com grandes densidades populacionais. Pode-se suspeitar de notificações insuficientes ou mesmo manipuladas, mas alguns casos chamam atenção. A Índia, por exemplo, tem aproximadamente 1/5 da população mundial, numa área territorial menor do que a China. Já ocupa o segundo lugar no número de casos na pandemia, ultrapassando o Brasil. No entanto o número de mortes pela doença é aproximadamente a metade comparado ao do Brasil. Há que se lembrar que pela população seis vezes maior, o percentual de infectados na Índia é bem menor do que aqui. Só que a curva indiana começou a subir bem depois do Brasil e está exponencial, acelerada, enquanto aqui já existe algum achatamento. A tendência é de que se aproxime das estatísticas dos Estados Unidos, se não ultrapassar.

Também é interessante que em populações africanas ainda não se tenha confirmado a explosão de casos que se previa. Talvez tenha relação com imunidade adquirida com outras doenças, mas não há comprovação. A revista Science sugere que restrições praticadas em alguns países antes mesmo da pandemia, como redução de viagens, toque de recolher e fechamento de escolas, acabaram tendo o efeito de proteger populações africanas. Resta saber o quanto durará esse controle antes que a retomada de atividades impulsione o contágio. Cogita-se também que a média de idade inferior, em países onde as pessoas vivem menos, concentre a doença fora de faixas etárias de risco maior.

Há o caso do México, que se aproxima do número de infectados no Peru, Colômbia e Chile, mas tem quase três vezes mais mortes. Não é de se surpreender, pois sabemos como o início da pandemia foi negligenciado naquele país.

O drama mexicano pode em parte estar relacionado com a vizinhança negligente do governo dos Estados Unidos. Só que, mesmo assim, os norte-americanos tal como os europeus entrarão a partir de agora em um período de proteção compulsória, pois lá está terminando o verão. Exceto por estados situados mais ao sul, quando se aproximar novembro a população retomará medidas habituais de confinamento devido ao frio extremo de seu rigoroso inverno.

Já aqui no Brasil e outros países de clima quente, a situação se inverte. Se ainda em fins de inverno testemunhamos aglomerações incontroláveis, o que esperar de nosso verão ? Haverá aglomeração não só em praias como também em rios, lagos e muitos outros locais públicos.

No Brasil e no resto do mundo aguardamos ansiosamente por saber sobre a real eficácia das vacinas que estão sendo testadas, e sobre como se comporta a imunidade dos que sobrevivem à doença. A estes dois eixos de conhecimento se agregará uma variedade de outras informações para um mapeamento mais preciso da luta contra a pandemia.

Só a experiência prática irá demonstrar a eficácia das vacinas e a imunidade gerada pelas células “T” e anticorpos. Tanto em um caso como no outro, persiste a grande interrogação: além de proteger uma pessoa, ao menos por algum tempo, irão também impedir que uma pessoa infecte outras ?

A princípio, ao que parece, a resposta é não. É porque uma pessoa só não será infectante se tiver eliminado o vírus de seu organismo, e para saber se uma população efetivamente eliminou o vírus precisaríamos testar toda ela, uma tarefa gigantesca, talvez impossível de se realizar. Por um bom tempo ainda, teremos que nos habituar ao risco de contágio, que continuará sendo letal para muitos que tiverem saúde debilitada. É muito oportuno o slogan criado na Inglaterra como advertência para os jovens que insistem em se aglomerar: “Não mate o vovô ou a vovó”.

Publicado no jornal O Progresso – Montenegro RS

Por: Augusto Licks
Jornalista e músico. Como jornalista, foi editor de rádio e TV em Porto Alegre, colunista de O Estado de São Paulo Online, e atualmente colabora com o jornal O Progresso de sua cidade natal, Montenegro/RS. Como músico foi o guitarrista da fase de sucesso dos Engenheiros do Hawaii, manteve uma importante parceria com o cantor e compositor Nei Lisboa, é autor de trilhas para cinema e teatro, além produtor musical. Apresentou-se em centenas de shows no Brasil, incluindo eventos como Rock In Rio e Hollywood Rock, e em países, como Rússia, Japão e Estados Unidos.

Foto: Divulgação

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