Riscos — Augusto Licks

Claro que a pandemia é mais do que importante, ela é por demais impactante para a maioria das pessoas. Hoje, porém, vou procurar estender um pouco o escopo, para situações não diretamente relacionadas à pandemia e que merecem atenção pois parecem carregar um certo padrão em si.

Já comentei que a dificuldade de erradicar a Covid-19 em prazo desejável impõe para o mundo inteiro a convivência com o risco de contágio, com tudo que isso implica. Daqui para a frente, por tempo que for, a sociedade terá que seguir arriscando vidas. Apesar de toda a semelhança com situações de guerra, reconhecida até pelo comandante do exército, a percepção popular tem dificuldade com analogias. O povo quer mais é tocar a vida, trabalhando e se divertindo, mesmo arriscando a vida dos idosos e mais fracos.

Claro que as coisas estariam menos ruins se conseguíssemos seguir algumas regras, como tentam fazer alguns países mais evoluídos como a Alemanha, onde riscos são calculados. Infelizmente, no Brasil é mais difícil, “chuta-se balde”. Isso talvez tenha relação com a grande informalidade que existe em nosso país, por uma série de razões e fatores, e que parece ter impregnado até nossas políticas de saúde pública. Fato é que, em nosso país, correr risco já é de certa forma uma coisa costumeira. Basta caminhar pelas ruas para se arriscar.

Vejamos outras áreas, para se ter uma ideia do que estou falando. A informatização, por exemplo. Hoje por força da pandemia muitos setores estão forçosamente recorrendo a soluções do mundo digital, como o próprio judiciário em processos e decisões. Antes, porém, a informatização já tinha se consolidado em práticas comerciais e bancárias, além de recreação e comunicação. Tudo com segurança ? Claro que não.

Celulares são clonados, contas “online” são violadas, privacidade de pessoas é exposta. Similarmente, fraudes bancárias rolam soltas por aí, a constantemente ameaçar nossas finanças, há golpes de todo o tipo. Ainda assim a maioria das pessoas corre o risco, pois para elas fala mais alto a praticidade, suas vidas já estão organizadas em função dessa facilidade veloz de conferir saldos, fazer pagamentos e transferências. Quando acontece um golpe, chora-se, recorre-se à polícia, mas igual … continua-se usando as arriscadas facilidades. Quem não quiser se arriscar terá que sacrificar mais tempo de sua rotina indo pessoalmente a agências bancárias, e tendo cuidado com ligações telefônicas também.

Por tudo que aprendi em décadas de utilização de tecnologias, um princípio resiste na tecnologia da informática: tudo que é feito digitalmente pode, digitalmente também, ser desfeito. Estão aí os “hackers” a volta e meia nos demonstrar que por mais sofisticados que sejam os algoritmos e protocolos de segurança, sempre parece existir alguma vulnerabilidade explorável.

É preciso entender que existem tipos diferentes de “hacker”. Alguns são simplesmente bandidos que se dedicam a roubar riqueza alheia, mas há alguns que embora utilizem práticas ilícitas fazem isso não para enriquecimento ilícito e sim como “hobby”, esporte, ou mesmo algum motivo idealista de alertar a sociedade sobre inseguranças. É interessante que muitos “hackers” sejam jovens, adolescentes ou nem isso. Além do aspecto de divertimento de “brincar”, me parece estar associado também à facilidade que jovens têm, mais do que adultos, de aprender linguagens. Nesse caso, são linguagens de programação.

Claro que abre-se inevitavelmente a discussão sobre como tratar ilicitudes “bem-intencionadas”, ou como mudar leis para que tais boas intenções sejam incorporadas em forma de lei. Ellsberg e Snowden são traidores ou são heróis ? Ambos cometeram ilicitudes como única forma de denunciar conspirações criminosas. Leis são instrumentos de justiça, mas justiça ainda é um princípio, conceito maior do que leis, e estas precisam ser sempre aperfeiçoadas.

Quando penso que em novembro teremos eleições, com mesários sendo convocados, e eleitores formando filas a potencializar contágio da Covid-19, me pergunto: por que? As medidas de proteção anunciadas não são muito diferentes do que já se pratica habitualmente em repartições mas, igual, não parecem suficientes em situações de aglomeração.

Sou declaradamente contra voto obrigatório, entendo que voto deva ser direito e não obrigação. Só que, ao mesmo tempo, é um direito muito importante e valioso, não queremos perdê-lo. Nos Estados Unidos vota quem quer, por que aqui é diferente ? Não conheço uma justificativa sequer que não carregue em si algum componente manipulativo.

Se com nosso dinheiro, justiça, e privacidade, já corremos riscos de fraude, por que não fazer o mesmo em relação à política eleitoral ? Pessoas idosas e com saúde debilitada deveriam ser poupadas do risco de contágio de comparecer presencialmente a uma urna, mas não deveriam ser privadas de votar. A opção de justificar o não-voto não é suficientemente justa. Para exercer seu direito, estas pessoas terão que arriscar a vida. Para não exercer, serão obrigadas a dar satisfação para não sofrer consequências administrativas em trabalho ou viagem. É uma grande incoerência, para dizer o mínimo.

Nos Estados Unidos, pessoas assim têm a alternativa de votar por correio, e não consigo descartar a ideia de que futuras eleições venham a ser realizadas por aplicativo. Risco de fraudes, sim, mas qual a novidade? Ao menos para muitas pessoas haverá menos risco à vida.

Publicado no jornal O Progresso – Montenegro RS

Por: Augusto Licks
Jornalista e músico. Como jornalista, foi editor de rádio e TV em Porto Alegre, colunista de O Estado de São Paulo Online, e atualmente colabora com o jornal O Progresso de sua cidade natal, Montenegro/RS. Como músico foi o guitarrista da fase de sucesso dos Engenheiros do Hawaii, manteve uma importante parceria com o cantor e compositor Nei Lisboa, é autor de trilhas para cinema e teatro, além produtor musical. Apresentou-se em centenas de shows no Brasil, incluindo eventos como Rock In Rio e Hollywood Rock, e em países, como Rússia, Japão e Estados Unidos.

Foto: Divulgação

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