Vices — Augusto Licks

No Brasil temos uma significativa história de vice-presidentes, tanto que desde a proclamação da República e até 1960 eles eram eleitos independentemente. Podia ser escolhido o candidato presidencial de um determinado partido ou grupo político e o candidato a vice de outro. Não são poucos os vices que acabaram assumindo a chefia de estado, seja por motivos de saúde do titular seja por episódios de disputa de poder político. Ao todo, foram oito.

Começou já em 1981 com o marechal Floriano Peixoto. Assumiu depois que a Armada (como se chamava a Marinha, originalmente) desfez o golpe de estado do presidente e também marechal Deodoro da Fonseca, que tinha fechado o Congresso e ordenado a prisão de parlamentares, acabando por ser destituído.

Em 1909, a morte de Afonso Pena por pneumonia levou à presidência o vice Nilo Peçanha. Em 1918, Rodrigues Alves foi eleito presidente pela segunda vez mas já estava doente, e seu estado teria se agravado pela chamada gripe “espanhola”, vindo a falecer dois meses depois. Eleito vice, Delfim Moreira não foi exatamente empossado pois a Constituição de 1981 exigia cumprimento de pelo menos 2 anos de mandato pelo titular. Conduziu um governo interino até a realização de nova eleição.

Em 1954 o vice Café Filho assumiu após o suicídio de Getúlio Vargas, mas por motivo de saúde precisou afastar-se do cargo. Assumiria Carlos Luz, presidente da Câmara dos Deputados, mas este acabou substituído pelo senador Nereu Ramos, por intervenção do ministro da Guerra, marechal Henrique Lott. O mesmo Lott iria garantir em 1956 a posse de Juscelino Kubitschek contra tentativas golpistas, e JK conseguiu cumprir todo seu mandato.

Em 1960, de partidos diferentes e sem formar uma chapa de coalizão, Jânio Quadros elegeu-se presidente e João Goulart reelegeu-se como vice que já era na gestão de Juscelino. A renúncia de Jânio em 1961 provocou uma crise institucional, com setores militares tentando impedir que Goulart assumisse. O golpe foi contido pela resistência do Terceiro Exército, que aderiu à “Campanha da Legalidade” liderada pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. Houve acordo, pelo qual “Jango” assumiu a presidência porém em regime parlamentarista, com Tancredo Neves como primeiro-ministro. O parlamentarismo acabaria desfeito por plebiscito em 1963, e Goulart acabaria deposto por golpe militar em 1964.

Em 1985, na transição do regime militar para a redemocratização do país, o Congresso Nacional elegeu Tancredo Neves mas um dia antes da posse de 15 de março ele foi submetido a uma cirurgia, vindo a falecer no mês seguinte. Tancredo teria confiado ao primo Francisco Dornelles a negociação com as lideranças militares para que fosse efetivada a posse do vice José Sarney, que então cumpriu todo o mandato.

Em 1992, primeiro presidente eleito por voto direto após o regime militar, Fernando Collor renunciou para não ser submetido a processo de impeachment, e o vice Itamar Franco completou o mandato.

Finalmente em agosto de 2016, Dilma Rousseff foi destituída da presidência através de impeachment, e o vice Michel Temer assumiu.

Já comentamos a tradição de debates televisivos em campanhas eleitorais nos EUA. Pois lá também os candidatos a vice-presidente debatem. A atual corrida presidencial norte-americana engrena na contagem regressiva para o dia 3 de novembro, a cada dia com algum destaque especialmente para a intrigante condição de saúde de Donald Trump, concorrendo à reeleição e acometido de Covid-19. Se a saúde de Trump pode gerar incerteza sobre suas condições de seguir no cargo, paira também preocupação quanto ao adversário Joe Biden que em novembro completará 78 anos. O candidato democrata até já sugeriu que seja cancelado o segundo debate entre os dois caso Trump continue testando positivo.

Não há como questionar a preocupação de Biden pois sua idade mais avançada o colocaria em risco maior na hipótese de contrair a Covid-19. Ao mesmo tempo, existem estratégias de campanha. Talvez Biden sinta-se satisfeito com as pesquisas que lhe foram favoráveis logo após o primeiro debate, na ideia de preservar tal vantagem e evitando dar chance ao oponente de se recuperar. Não seria uma estratégia exatamente segura, considerando-se que Trump aparece diariamente no noticiário, mesmo sendo criticado. Pode se aplicar a ele a ideia de “falem mal de mim, mas falem”. A valer isso, a marcação fiscalizadora que a imprensa norte-americana faz sobre seu presidente poderia na prática estar lhe fazendo um favor.

Enquanto isso, o nada carismático Biden pouco aparece, o noticiário parece não ver nele uma boa embalagem de notícia. Caso seja mesmo cancelado o segundo debate, a inexpressiva presença midiática do democrata poderia ser assimilada por alguns como falta de protagonismo. Quem já se decidiu a votar nele o fará, mas indecisos talvez se influenciem pela presença mais frequente da figura de Trump.

Considerando-se as preocupações com a saúde dos candidatos presidenciais, cresce naturalmente a atenção em relação a seus respectivos vices, ambos mais de dez anos mais jovens. Que Mike Pence ou Kamala Harris acabe assumindo a presidência dos EUA, é hipótese que simplesmente não dá para descartar. Assim, o papel de ambos pode tornar-se fator importante a influenciar eleitores na reta final da campanha.

Ao republicano Pence, embora tido como ultra-conservador, atribui-se um perfil pessoal equilibrado e conciliador, a compensar o temperamento de seu cabeça-de-chapa. Inversamente, a democrata Kamala Harris carrega um perfil bem mais energético do que seu colega Biden. Alguns analistas avaliam que um Pence tranquilizador só teria a favorecer Trump, enquanto Harris talvez precise controlar seu ímpeto para não ir com muita sede ao pote. A senadora californiana é conhecida como forte debatedora, o que agrada aos que prestam atenção em conteúdo mas sob risco de assustar quem presta atenção na forma. Estou escrevendo isso antes de assistir ao debate entre ambos.

Seria interessante que candidatos a vice também debatessem entre si aqui no Brasil, considerando-se todo o histórico descrito acima, mas é pouco provável que isso aconteça quando aqui às vezes nem os próprios cabeças-de-chapa comparecem.

Publicado no jornal O Progresso – Montenegro RS

Por: Augusto Licks
Jornalista e músico. Como jornalista, foi editor de rádio e TV em Porto Alegre, colunista de O Estado de São Paulo Online, e atualmente colabora com o jornal O Progresso de sua cidade natal, Montenegro/RS. Como músico foi o guitarrista da fase de sucesso dos Engenheiros do Hawaii, manteve uma importante parceria com o cantor e compositor Nei Lisboa, é autor de trilhas para cinema e teatro, além produtor musical. Apresentou-se em centenas de shows no Brasil, incluindo eventos como Rock In Rio e Hollywood Rock, e em países, como Rússia, Japão e Estados Unidos.

Foto: Divulgação

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